A Europa como espaço de civilização (I)

O século XX, já se disse e repetiu várias vezes, terminou entre os anos de 1989 e 1991, após a desintegração do bloco soviético e o desmembramento da URSS. Podemos assim dizer que os contemporâneos da queda do Muro de Berlim, a 9 de Novembro de 1989, tiveram a sensação de viver um momento histórico. Da mesma maneira, podemos dizer que o século XX começou a 11 de Setembro com o ataque aos EUA.
O mundo pós-guerra fria que lhe sucedeu não é, por muito que custe a Fukuyama, o mundo do fim da história, o mundo da universalização entendida como a extensão «ad infinitum» da democracia burguesa.
Para os povos e nações da Europa, o futuro está em aberto. As perspectivas estão ainda por definir: imprevisibilidade do universo político-estratégico, emergência e estruturação de vastas regiões planetárias, necessidade de afirmação de um Grande Espaço europeu.
O projecto da Nova Ordem Mundial (NOM) propõe uma ordem internacional fundada sobre o universalismo do direito e sobre o triunfo do mercado. Mas a NOM, nas suas declarações, não vai mais além, deixando o caminho livre às mais diversas interpretações. Para uns, a NOM seria unipolar: os Estados Unidos, de agora em diante, ostentariam em exclusividade o papel de polícias do mundo. Para outros, a NOM deveria ser «onusiana», assumindo a ONU o papel que Franklin D. Roosevelt tinha prevista para ela. Hoje, é nos imposta a primeira versão.
O sonho de uma NOM americanocêntrica sobrepôs-se, certamente, às demais versões. A diplomacia americana centrou-se numa definição estrita, já que não é responsável, dos interesses do país. E o liberal-mercantilismo nacional pretende fazer do comércio, para parafrasear Clausewitz, a continuação da guerra por outros meios. A diplomacia ianque é uma diplomacia de assalto e acosso económico. A mundialização impõe-se aos factores estatais mais poderosos, sem possibilidade de escolha.
A proliferação de Estados desde o final da guerra fria não nos deve fazer cair em erro. Esta forma política não detém a exclusividade do jogo mundial, pois o sistema clássico de Estados é hoje acompanhado por outro sistema de actores «exóticos e anónimos»: empresas transnacionais, organizações não-governamentais, máfias, seitas, etc.
A história não contém em si promessa alguma, não é portadora de nenhum «sentido»; o famoso «fim da história» anunciado por Francis Fukuyama é uma falácia em todos os sentidos. Vivemos, efectivamente, o fim de uma concepção escatológica da história. A crença numa história transparente e apreensível pela razão esfuma-se, porque é o que é: muito mais uma ilusão do espírito do que uma realidade.
Em 1951, em plena «época quente» da guerra fria, o jurista e politólogo alemão Carl Schmitt julgava impossível a extensão de um único sistema político, económico e social à totalidade da superfície terrestre. Contra o universalismo da «ilusão tecno-industrial do mundo» mantido tanto por marxistas como por liberais, Schmitt anunciava a possibilidade de um «novo pluralismo» sucessor da bipolaridade Este/Oeste. O futuro «nomos» da Terra fundar-se-ia sobre a coexistência de uma pluralidade de entidades «portadoras de uma ordem autónoma»: os «Grandes Espaços». Carl Schmitt entendia o termo «nomos» como a ordenação política, social e económica do mundo («nomos», em grego, significa «organização»).
Jogando com o princípio de ingerência conforme à razão política, C. Schmitt propunha a definição de um novo «nomos» fundado no equilíbrio entre Grandes Espaços, adoptando cada um deles a sua própria doutrina Monroe.
Falta precisar o que é um Grande Espaço. Carl Schmitt designa deste modo as grandes unidades de «sentido» e de poder que observa em emergência. Particularmente estruturados por uma ou mais potências directoras e economicamente auto-centrados, a sua estatura e zona de influência estende-se por cima dos limites de um Estado-Nação. Um Grande Espaço seria um bloco de nações reagrupadas sobre bases geográficas, históricas, culturais e económicas e dotado de capacidades políticas e estratégicas. Os Estados-Nação não poderão esperar que a massa critica exija a extensão dos seus horizontes, pois só os Grandes Espaços serão capazes de exercer com eficácia a completa soberania.
Como explicou Jean Thiriart, «não pode existir uma grande quantidade de especializações (em produtos ou serviços) senão ultrapassando um certo limiar crítico. O «limiar crítico» é um dado essencial para quem queira compreender a história moderna. História intimamente ligada à tecnologia.
Um padeiro não pode viver senão numa povoação com pelo menos 500 lares. O dono de uma garagem, numa cidade de 5000 lares. Uma indústria siderúrgica, num país de 25 milhões de habitantes. Uma fábrica de camiões pesados, numa população de 500 milhões. O limiar crítico da indústria aeronáutica situa-se num país de pelo menos 100 milhões de habitantes. O lançamento de satélites com êxito e amortizável exige um país de, pelo menos, 200 milhões de habitantes. A investigação fundamental em física não pode ser financiada senão por superpotências militares (250 milhões)».
A globalização das relações internacionais impõe novas formas políticas. Os mundialistas sonham com a constituição de um governo mundial, sonho que cada dia se evidencia mais como uma quimera. Constituída por várias culturas, povos e etnias diferenciadas, a humanidade não é uma unidade de pensamento, de concepção nem de acção susceptível de dar nascimento a uma república universal qualquer. Quando a «comunidade internacional» evoca este propósito, Julien Freund compara-a a uma «espécie de mercado de moral, de política, de direito, de economia, de história e de filosofia da história que não pode ocultar quão vaga é esta definição». Nenhum centro de poder é possuidor pleno nem da vontade nem dos meios para impor uma ordem universal. Numa palavra, o mundo é um «pluriversum» (C. Schmitt), uma pluralidade de colectividades particulares e independentes.
- Juan António Llopart

posted by Nacionalista @ 11:57 da tarde,

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