Ideário do PDC

Aproveitando a "boleia" d'A Voz Portalegrense, deixo aqui um texto intitulado "Ideário do Partido", extraído do "Programa do Partido da Democracia Cristã" - um texto de cerca de 100 páginas em formato de livro de bolso, sendo que a II Parte é um projecto de Constituição.

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IDEÁRIO DO PARTIDO

1. A denominação Democracia Cristã compõe-se de dois conceitos: democracia, que tem carácter político, e cristão, que aponta para uma ideologia e uma doutrina social. A denominação Democracia Cristã não representa apenas a resultante da junção daqueles dois termos. Não somos apenas um partido democrático. Nem tão-só um partido cristão. Mas, sim, um partido democrata cristão. Quer dizer que, por um lado, entendemos a democracia à luz da filosofia cristã. E apontamos o cristianismo como uma mensagem de democracia. Para se determinar o que há de específico na democracia cristã, ter-se-á, em primeiro lugar, de analisar, no nosso prisma, os elementos democrata e cristão. Comecemos pelo conceito da democracia.

1.1. A democracia que defendemos não é a do simples mecanismo, ou questão por vezes numérica, de democracia formal. Não obstante, aceitamos que a democracia supõe um certo mecanismo para poder funcionar. O nosso conceito de democracia não é o de um simples procedimento; é, antes, um conceito valorativo, uma filosofia geral da vida política. Por isso, não nos debruçamos tanto sobre problemas tais como os métodos de sufrágio — o procedimento — para nos interessarmos pela realização da democracia com base na própria substância que ela encerra.

Elegemos, assim, a nossa noção de democracia personalista.

A democracia é o Governo do povo. O povo é o conjunto orgânico de pessoas humanas. Daí que a ideia de pessoa humana, livre e responsável, constitua, para nós, o elemento fundamental da ideia democrática. Não vamos deteriorar a noção de «povo» ou de «comunidade», substituindo-a pela de «massa». Nem degradamos a pessoa em indivíduo. Rejeitamos a utilização do homem como instrumento, que é o papel da demagogia. Nem como objecto da vida económica, social ou política, porque o defendemos sempre como sujeito.

Daí que exijamos o diálogo permanente entre o governo e o povo. Se o governo é do povo, só é legítimo se interpreta a vontade deste. E, sendo o povo o conjunto das pessoas humanas, a entidade fundamental na vida democrática, segue-se que a actividade do governo, do Estado, deve estar ordenada num sentido finalista. A actividade do governo, o procurado desenvolvimento, não pode ser uma simples acumulação de bens e serviços ou apenas o aumento de riqueza. O desenvolvimento é um processo que deve estar orientado, tal como toda à actividade do Estado, no sentido do progresso e da satisfação das necessidades e aspirações da comunidade. Quer dizer, todo o sistema democrático tem de basear-se numa estrutura humana. Daqui, a nossa democracia personalista. Os bens, ou o próprio Estado, são apenas meios.

1.2. Defendemos o pluralismo social.

Afastamo-nos, assim, do estrito dualismo cidadão/Estado, herdado da Revolução Francesa. Entre o cidadão e o Estado encontram-se formas sociais que constituem o normal desenvolvimento do instinto da sociabilidade.

O pluralismo social implica o reconhecimento de grupos sociais que ajudam a pessoa humana na realização dos seus fins próprios. Esses grupos não resultam da aceitação do Estado, que se limita a encontrá-los e reconhecê-los. É o caso do Município, como comunidade de vizinhos, da família, como meio de expansão natural do homem, e ainda do Sindicato. Este não está dependente do Estado ou dum partido político. A liberdade sindical é fundamental no sistema democrático.

Consideramos ainda as comunidades culturais, designadamente as universidades e as comunidades religiosas. A aceitação destas, como de existência própria, porque propendem para o cumprimento dos fins da pessoa humana, leva-nos a discordar de toda a religião do Estado ou da protecção do Estado a qualquer religião. Mas entendemos que devem ser defendidos os direitos essenciais de toda a Igreja, o seu direito de actuar e de ensinar.

1.3. Queremos ainda o pluralismo ideológico.

Para nós, democracia pluralista é aquela que admite a expressão de ideias distintas e antagónicas, para que o corpo social se pronuncie acerca da sua validade e relevância. Inserimos apenas a limitação que advém de exigências de ordem moral ou de segurança do Estado.

O pluralismo assim concebido conduz ao institucionalismo que radica, na natureza humana do grupo social, o fundamento de determinados modos de vida ou de determinadas organizações. A instituição é o fundamento da sociedade e do direito. É o apogeu filosófico e jurídico do pluralismo social, vinculado, por isso, à nossa ideia pluralista de democracia.

Distinguimos entre instituições e estruturas. A instituição é permanente e durável. A estrutura é uma forma de traduzir o que a instituição pretende realizar. A democracia cristã não está satisfeita com as estruturas onde se desenvolve a instituição da família, nem com as estruturas económicas em que se desenvolve a empresa, o sindicato ou a comunidade profissional, nem com as estruturas culturais e políticas, porque não traduzem as necessidades do nosso tempo. Pretendemos mudar as estruturas, mas não as instituições. Por isso nos distinguimos dos conservadores, que pretendem manter as estruturas, e dos marxistas, que desejam aniquilar as instituições,

1.4. Queremos criar uma democracia comunitária.

Não aceitamos uma democracia individualista. Para nós, é a comunidade, e não o indivíduo, que é o objecto da acção política. Procuramos assegurar o bem comum. Não basta a justiça comutativa. É necessária a justiça social. O Estado deve representar a comunidade política; a empresa deve ser uma comunidade, no sector económico; os povos devem constituir a comunidade internacional. A comunidade aponta, assim, para uma forma de sociabilidade com interpenetração de consciências, o que a distingue da massa. Há, porém, um momento em que o grau de interpenetração das consciências é mais elevado — é a participação no comum. Assim, a democracia que defendemos é também uma democracia de participação. Procura-se assegurar a participação efectiva do povo no processo das decisões. Não queremos, repete-se, uma mera democracia formal.

2. Analisámos até aqui o elemento democrático. Debrucemo-nos, de seguida, sobre o elemento cristão.

Este elemento traduz, nos aspectos, político e social, embora muito genericamente, uma atitude perante a vida que se inspira na ideia de cristandade. Adoptamos uma concepção histórica espiritual não materialista. Assim nos separamos irremediavelmente do marxismo.

2.1. Elegemos também, porque cristãos, a primazia da moral: a política, para nós, não é só a arte da conveniência. O problema social é um problema moral. Fundamenta-se na revalorização das normas de conduta dos povos. Facilmente se depreende que não pensamos ser o único partido cristão. Nem pensamos que aqueles que não aderem ao nosso partido estejam fora da cristandade. Tal como há outros partidos que se denominam democratas e não podem reclamar o exclusivo da democracia.

2.2. A doutrina cristã traz ao nosso ideário a afirmação do espiritual. Defendemos a subordinação da política às normas éticas. Para nós, a primeira finalidade de ordem social é permitir ao ser humano o desenvolvimento pleno e cabal da sua personalidade. Estabelecemos a primazia do bem comum. Acreditamos na perfectibilidade da sociedade civil, repudiando todas as formas de fatalismo, designadamente o determinismo económico afirmado pelo marxismo e pelo capitalismo liberal.

2.3. O cristianismo carreia ainda ao nosso ideário uma concepção social, pelo que não constituímos apenas um movimento político.

A principal fonte, neste aspecto, é a doutrina social da Igreja. Esta reflecte-se numa especial concepção da propriedade, do papel e dos deveres do Estado, da solidariedade entre todos os grupos e num conceito próprio de empresa e de concepção do trabalho. Não é em vão que o Cristianismo é a única religião criada por um trabalhador.

A doutrina cristã da propriedade pode resumir-se na afirmação: todas as coisas que existem se destinam a todos os homens que existem. É taxativa esta posição nos textos sagrados e no magistério da Igreja. É a função social da propriedade. O direito de usar e de abusar dos romanos é substituído pela obrigação de uma administração em proveito comum — o «jus procurandi» do tomismo. A propriedade privada é, portanto, meramente instrumental. O seu fim, a função social, pode ser realizado pelo Estado, designadamente através de adequada política fiscal. Aceitamos a apropriação pública, as chamadas nacionalizações, no que for considerado indispensável; defendemos uma adequada regulamentação das concessões.

Não aceitamos a distinção clássica do marxismo e do capitalismo entre a propriedade pública e privada. Defendemos a propriedade em zonas intermédias, como a propriedade familiar. Para nós, a propriedade comunitária é um meio de eliminar as barreiras entre as classes e sectores sociais.

Quanto à empresa, esta é, na concepção cristã, uma comunidade em que colaboram os proprietários de capital e os proprietários de técnicas — os trabalhadores. Os resultados, o lucro, é consequência daquela colaboração bipartida. Daí, os trabalhadores devem participar nos lucros e, por extensão, na administração e na propriedade das empresas. O contrato de trabalho não deve ser um contrato de prestação de serviços, mas, antes, um contrato de participação ou de sociedade.

No que concerne ao Estado, este não se limita a uma função policial. Nem é senhor omnipotente. O poder do Estado é tão-só supletivo — é o princípio da subsidiariedade ou da supletividade. Pela doutrina social da Igreja, aceitamos também o princípio da responsabilidade do Estado e da sua intervenção nos assuntos colectivos que o reclamem. Subordinado a normas éticas, o Estado tem de intervir onde houver injustiças e carências. Mas a intervenção do Estado tem sempre por limites os direitos naturais das pessoas e dos organismos intermédios, tais como a família, o município, as associações económicas e profissionais, as entidades culturais e religiosos. Estes gozam de direitos próprios e específicos que o Estado tem de reconhecer, até porque estes grupos lhe são anteriores. De uma maneira especial, o Sindicato é, para nós, o sindicato livre na profissão organizada, isto é, constituído livremente pelos trabalhadores, sem qualquer intromissão limitativa ou programática do Estado.

3. No âmbito da sociedade nacional e da sociedade internacional, o mandamento novo do cristianismo é o do amor. Em termos adequados a um ponto de vista político-social, traduz-se numa vincada ideia de solidariedade entre os povos.

Opomo-nos, desta forma, tanto ao egoísmo, que o capitalismo arvora historicamente, como à luta violenta que, no seu processo mais representativo, se configura na luta de classes de Marx. Daqui se conclui por uma justiça social internacional. Esta não é, para nós, a ajuda de povos ricos aos povos subdesenvolvidos como mero acto de benevolência, que se pode converter em novo colonialismo. É, sim, o cumprimento de um dever de justiça, emanado da solidariedade universal. O desenvolvimento económico-social é ainda, para nós, o «novo nome da Paz».

4. O Partido da Democracia Cristã procura realizar, através da acção política democrática, os princípios sociais cristãos.

Não somos um partido confessional, já que distinguimos o domínio da acção política do campo da acção religiosa. O PDC está aberto a diversas convicções religiosas e a homens de nenhuma denominação religiosa. Para além dos momentos pragmáticos, servimos uma orientação ideológica.

Somos um partido democrático, com repúdio da violência. E um partido popular, no sentido de representação dos interesses integrais da sociedade, e não só de parte dela. Constituímos ainda um partido revolucionário, no pressuposto de que a evolução indispensável ao nosso tempo não se faz espontânea e gradualmente, mas que terá de ser incentivada por uma revolução, embora pacífica, construtiva e criadora. Somos ainda um partido nacional, embora possamos agrupar-nos na União Europeia, na União Mundial das Democracias Cristãs ou na sua União Internacional de Jovens, para beneficiarmos da experiência de largos milhões de militantes e simpatizantes que prosseguem os mesmos objectivos por todo o Mundo. Não se pode ignorar que a reconstrução da Europa Ocidental do pós-guerra foi levada a cabo sob a égide dos partidos democratas cristãos, dos quais muitos têm a dura experiência da luta na clandestinidade, especialmente na Itália e na Alemanha.

A diferenciação dos partidos democratas cristãos deriva da realidade específica de cada povo, o que não impede a presença de um conteúdo doutrinário comum.

5. A afirmação destes princípios cristãos tem levado o marxismo a um esforço de adaptação, no sentido de não repelir frontalmente as posições cristãs, mas, antes, de se aproximar delas. Assim, o marxismo apresenta-se, por vezes, como uma pura ciência da sociedade não considerando o ateísmo filosófico e o materialismo histórico, no aspecto político-social. A própria interpretação dinâmica de Marx pretende afastar a clássica afirmação de que toda a religião é uma alienação. Mesmo como pura ciência da sociedade, embora mutilado, o marxismo não abandona a dinâmica da luta de classes como suprema dialéctica do social. E a posição cristã não é de luta, mas de diálogo e de solidariedade.

Em última análise, poderá resumir-se que todos os partidos, por mais revolucionários que se reclamem, têm por meta a Justiça. Todos tendem, cada vez mais, a aproveitar da concepção cristã as formas que mitiguem a rigidez dos seus esquemas teóricos.

posted by Nacionalista @ 10:45 da tarde,

2 Comments:

At 5:00 da tarde, Blogger Mário Casa Nova Martins said...

Este Ideário é, no fundo, um texto doutrinário.
Obrigado por divulgá-lo.
Deixe-me acrescentar que uma figura importante do PDC foi o dr. Antero da Silva Resende.

Cumprimentos.

 
At 9:29 da tarde, Blogger Vítor Ramalho said...

Foram tempos bastante conturbados, onde os defensores das “amplas liberdades” faziam e desfaziam.

 

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