Robert Michels

Robert Michels (1876-1936), que frequentemente surge à sombra do clássico dueto italiano, não é apenas o demonstrador das teses caras dos seus dois mestres, mas sim um pensador autónomo, vigoroso, polifacetado, que merece uma atenção particular. Nascido em Colónia, militante socialista, fez carreira académica e pode-se dizer que contactou com os homens mais ilustres da sua época como Droysen, com quem fez o doutoramento em 1990, Max Weber que o apoia no ano seguinte para o seu primeiro cargo de professor na Universidade de Magdburgo, Georges Sorel, Artur Labriola, com quem contacta no seio do movimento sindicalista, Einaudi, Mosca, Lombroso, Pareto e Pantaleoni, com quem debate ideias desde a obtenção da cátedra na Universidade de Turim, em 1907. É um homem cosmopolita, interessado nos movimentos políticos do seu tempo, e relacionado com os influentes universitários e teóricos da economia, da antropologia, da sociologia e do pensamento ideológico.

O seu trabalho, que conta trinta livros e mais de setecentos ensaios e artigos, cobre uma vasta área de interesses intelectuais com uma metodologia que está longe de se poder considerar ultrapassada ou ser expoente de uma atitude conservadora
[1]. O seu estilo científico, anti-ideológico, desmistificador, realista no sentido de Pareto e Mosca, historicista e empírico, cheio de exemplificação e prova fenomenológica, deveria ser tomado como uma experiência de pioneirismo no exame dos factos sociais, num quadro de análise conceptual histórico-institucional.

Repete-se para Michels os sintomas da reacção ideológica que caracterizam a apreciação habitual dos contributos anteriores para onde corre uma espécie de maldição. O fascismo volta a mostrar-se como a maturação lógica daquelas ideias, segundo crê o professor israelita Z. Sternhell
[2]. Michels, Sorel, Henri de Man e Lagardelle, incarnariam uma corrente revisionista, que destruiu entre 1900 e 1930 os fundamentos mecanicistas e deterministas do marxismo, levantando uma interpretação voluntarista da história, aberta a outros protagonistas como a Nação e o Estado[3].

É verdade que o autor germânico fez um percurso inverso do de Gaetano Mosca, abandonando progressivamente as convicções marxistas para aceitar a superioridade dos partidos de elite, num quadro ideológico de nacionalismo exaltado. É ainda certo que apesar do aspecto ideológico, quer durante o período marxista, quando vituperava o desvicionismo de Bernstein, quer depois quando criticava o parlamentarismo, tentou manter-se dentro dos quadros científicos e universitários, recorrendo à demonstração comparativa e repetindo a intenção de fundar a ciência longe dos ecos ideológicos das palavras marcadas.

Mais que qualquer um dos professores da tríade, este é um homem de pensamento e acção, cujo momento mais produtivo coincide com a sua fase sociológica. Numa perspectiva biográfica podemos dividir a obra deste inquieto alemão em quatro fases: a marxista, a sindicalista, a sociológica quando contacta com a obra de Mosca e Pareto, e, finalmente, a ideológica
[4]. A separação é artificial e puramente instrumental, pois até à sua morte ele mantém os grandes eixos de interpretação da vida social que ganhara na reflexão sociológica e para ter a confirmação desta tese basta ler o seu Curso de Sociologia na Universidade de Roma, de 1926. Ao longo das etapas acentua-se o seu pendor para a generalização, que evitara com cuidado nos primórdios da sua reflexão. Como comenta Giordano Sivini, «a análise política desenvolve-se com riqueza de informação e sempre que possível com dados quantitativos, com particular atenção à vertente comparativa, ainda que numa lógica explicativa sem pretensões de generalização como terá mais tarde»[5].

Os seus estudos sindicalistas e sociológicos aparecem a partir de 1905 na revista «Archiv fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik», dirigida por Max Weber, e culminam na publicação do seu curso sobre o partido social-democrata em 1911 e no curso de sociologia política de Roma. É sobretudo a partir destas duas obras que faremos a investigação do seu pensamento em termos de minoria política, sem descurar textos complementares, porque ambos são realmente a expressão sistemática e acabada do seu pensamento social.

Os seus ensaios da fase sindicalista já mostram uma tendência para a crítica do oportunismo e do prudencialismo dos dirigentes revolucionários, que pregam as transformações políticas enquanto optam por uma via reformista e parlamentar. Michels é favorável à organização da revolução a partir dos intelectuais mais despertos e da pedagogia de um partido operário, libertando o movimento operário das utopias, dos romantismos, das visões idealistas para o fazer convergir num projecto político eficaz
[6].

Os partidos, nesta fase, «não são mais que superestruturas sintomáticas da constituição económico-social da nossa sociedade. Cada classe social cria autonomamente a sua própria representação política, ou seja, o seu partido»
[7]. Não admira que entenda ser fundamental um partido operário ortodoxo, mas um partido que não ceda às tentações do emburguesamento, isto é, da organização burocrática, que por si mesma é capaz de gerar o desviacionismo e o aburguesamento dos dirigentes. Michels é, nesta fase, sindicalista convicto, intelectual consciente, que só na acção directa do sindicalismo vê as condições para evitar esse males. Em 1907, ano em que se lhe nega a cátedra, já tem a convicção de que no seu partido os meios, a organização do partido social-democrata, se tinham gradualmente transformado em fim. Linz defende que é o sindicalista Michels que faz o percurso ideológico já referido em busca de alavancas voluntaristas para transformar o mundo social, a partir do momento em que aquela conclusão se lhe impôs e o levou a abandonar o partido[8].

Na sua visão há continuidade gerada pelas sucessivas conclusões da análise científica, mas o facto é que a publicação da Sociologia dos Partidos Políticos marca, em 1911, um afastamento do sindicalismo revolucionário. A influência de Mosca é evidente não só nas teses básicas como no método. O partido, nomeadamente o social-democrata, é um caso particular, que Mosca acolhe com satisfação
[9]. Mas as propostas de Michels são desenvolvidas e ampliadas até às consequências lógicas, segundo o lema metodológico que o autor expressa desta forma, em 1915: «A diagnose exacta é um preliminar indispensável e lógico a qualquer prognose»[10]. Desde 1907 que, por interesse de Max Weber e Achille Loria, Michels ensinava na Universidade de Turim, onde Mosca também estava, tendo já concluído, por essa altura, pela impossibilidade de recuperar o partido para uma função pedagógica. O período de Turim é pessimista quanto às potencialidades revolucionárias do proletariado e durante esse tempo ele elabora a teoria da oligarquia no partido de massa, justapondo à sua observação participante os conceitos mosquianos de representação e burocracia. Ao lado, correm os conceitos menos visíveis herdados do aparelho intelectual do marxismo, e em vão se buscará na sua obra uma rejeição frontal da luta de classes. O que se encontra é a declaração de que aquela dinâmica histórica não colide de forma alguma com a teoria da oligarquia, visto que o processo dialéctico acabará por desembocar na criação de uma nova oligarquia. Clarifica: «A existência de uma classe política não colide com o conteúdo essencial do marxismo, considerado não como um dogma económico, mas como uma filosofia da história»[11]. Num ensaio de 1909 todas as grandes linhas do seu famoso texto sobre a sociologia dos partidos estavam consolidadas[12]. O partido deixara de ser visto como um instrumento de mudança, para se revelar como um sistema de estabilização de dominâncias instauradas. Do estudo da social-democracia alemã o professor passou, com o auxílio do esquema de Mosca, para a generalização, abrindo as portas de um universo que, a seguir David Beetham, era totalmente novo, visto que apontava para a descoberta ou enumeração de leis gerais[13].
- António Marques Bessa, Quem Governa?
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[1] Cfr. E. Ripepe, Gli Elitisti Italiani, 2 vols., Pacini, Pisa, 1974.
[2] Z. Sternhell, Ni Droite ni Gaúche, Seuil, Paris, 1983.
[3] Estes pontos podem ser também acompanhados em: L. Cavalli (Organizador), Il Fascismo nell’Analisi Sociologica, Il Mulino, Bolonha, 1975. Ver sobretudo o ensaio de R. Messeri, «Robert Michels: crisi delia democrazia parlamentare e fascismo». Este caminho, contudo, como aponta Ernst Nolte, já teria tido um precursor em Nietzsche. Cfr. Adriano Romualdi, Nietzsche, Edizioni di Ar, Pádua, s.d.
[4] Esta faceta ideológica pode ser acompanhada em: A. James Gregor, Roberto Michels e l'ideologia del Fascismo, Volpe, Roma, 1979.
[5] Giordano Sivini, Introdução a: «Michels. Antologia di Scritti Sociologici», Il Mulino, Bolonha, 1980, p. 11.
[6] Cfr. Alessandro Campi, «Michels en su Cincuentenario», in Razón Española, Setembro-Outubro de 1987, n.° 25, Madrid.
[7] Roberto Michels, Proletariato e Borghesia nel Movimento Socialista Italiano, Bocca, Turim, 1908, p. 16.
[8] Cfr. J. Linz, «Michels e il contributo alla sociologia política», in Roberto Michels, La Sociologia del Partido Político nella Democrazia Moderna, Il Mulino, Bolonha, 1966.
[9] Gaetano Mosca, The Ruling Class, Op. cit., pp. 331, 334, 412.
[10] Robert Michels, Political Parties, Free Press, Nova Iorque, 1966, p. 6.
[11] Idem, ibidem, p. 354.
[12] Roberto Michels, «La democrazia e la legge férrea delle elites», in Robert Michels e Outros, Studi sulla Democrazia e l’Autorità, La Nuova Itália, Florença, 1933.
[13] David Beetham, «From socialism to fascism: the relation between theory and Practice in the work of Robert Michels», in Political Studies, 1977, vol. XXV, n.os 1 e 2.

posted by Nacionalista @ 12:42 da manhã,

1 Comments:

At 2:56 da manhã, Blogger Rodrigo N.P. said...

Amanhã, com calma, pretendo ler bem isto.Depois comentarei. Olha, este fundo negro é que não ajuda, dá-me cabo da vista, e num blog de doutrina como é o teu torna-se ainda mais complicado, os textos são relativamente longos e exigem reflexão :/

 

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