Almas Republicanas
terça-feira, junho 20, 2006
Chamou António Sérgio aos integralistas, ou, pelo menos, aos melhores dos integralistas (o que, para o caso, não é indiferente!) «almas republicanas». Não repelirei, por minha parte, a designação, desde que lhe precisemos o sentido. Já no seu tempo Bonald observava — e Bonald, doutor da Contra-Revolução, deve-nos ser insuspeito! —, que o que tornava o homem forte na sociedade era a mistura dos sentimentos de independência republicana com os princípios da fidelidade e da obediência monárquica. Em semelhante definição nos situamos nós, os integralistas, a quem António Sérgio se dirige.
Defensores, contra a centralização abusiva do Estado moderno, — ou seja ele de estrutura electiva, ou simplesmente monárquico-liberal —, daquele perdido localismo municipal, corporativo e provincialista, em que nasciam e se robusteciam as virtudes cívicas dos antigos cidadãos, o adjectivo «republicano» pode caber-nos, na verdade, logo que o restituamos ao sentido apontado.
Exprime até magnificamente o nosso protesto político perante o que são hoje as «repúblicas», como sistemas de governo, — máquinas de burocracia congestiva, em que as oligarquias, tanto partidaristas como plutocráticas, asfixiam as livres iniciativas não só dos indivíduos, como da colectividade.
Numa sua passagem célebre, também Charles Maurras (de quem António Sérgio um pouco apaixonadamente nos tem como «escravos intelectuais») virá em auxílio da posição, aparentemente paradoxal, em que me coloquei, ao aceitar sem maior relutância, para os integralistas, o apelativo de «almas republicanas». Diz Maurras, com efeito, algures, que «le mot république a un sens raisonnable: même après le rétablissement de la Monarchie, il pourra être conserve dans ce sens primitif que désignait l’étendue des affaires communes… En revanche, démocracie doit être rayé, banni et oublié, comme pur synonyme de dégénérescence, expression de la désorganisation et de l’émiettement, épave linguistique de ce que le régime de la république eut jadis de plus funeste. C’est la démocracie qui est l’élément anarchique de la république; c’est la démocratie qui est l’élément pernicieux du socialisme».
Evidentemente que António Sérgio não concorda. Se concordasse, que alegria para nós e que reforço de alto talento para a causa nacional! Mas entendo, como António Sérgio entende, a necessidade que há, entre «homens livres», de delimitar responsabilidades e de fixar órbitas. Por mim, não pretendo outra coisa, para leal e justa compreensão daquilo que é lícito pedir-se-me e do ponto até onde é possível chegar-se, de modo que, atribuindo às palavras de António Sérgio a significação em que as recebo, sinto naturalmente que elas se me ajustam sem constrangimento.
Ponderará António Sérgio que no depoimento de Maurras passa uma ideia errada de democracia. Não o discutiremos agora! Mas, sem dúvida, António Sérgio concede que «democracia» para Charles Maurras e para todos os tradicionalistas vale como individualismo. Ora em combate franco ao individualismo na sua maior manifestação: — a Plutocracia, nos achamos aqui, neste reduto, dando as mãos fraternalmente, criaturas provindas dos mais diversos sectores do pensamento humano, desde o senhor Raul Proença (saúdo com respeito o meu adversário!), impugnador incansável das verdades semeadas pelo integralismo, até ao meu reaccionarismo, cada vez mais justificado, mais consciente e mais indefectível.
Eis um facto que incontestavelmente prova, não só que a António Sérgio não satisfaz a «democracia» como ela é (e António Sérgio não o oculta, quando distingue entre democratas século XIX e democratas século XX), mas que, para a rectificar e organizar, nos agrupa a nós, integralistas, nos poucos núcleos portugueses susceptíveis de trabalharem pela sua reforma e melhoramento. Não bulirei na respeitável utopia de António Sérgio. Na guerra ao que reputamos como inimigo comum, — a Plutocracia e o Partidarismo, — apenas nos cabe falar do que nos une e não do que nos separa. Decerto que um integralista se encontra mais perto dum «radical século XX», como António Sérgio, do que de qualquer avantajado corifeu da ignóbil mentira caída em 5 de Outubro de 1910.
Com toda a sua rica experiência psicológica, Léon Daudet (não se arrepie, António Sérgio!) não hesita em declarar num dos volumes das suas Memórias que a um monárquico-liberal, — matéria morta em total desagregação, — prefere o convívio e a prática dum extremista, porque, no seu negativismo, é sempre um afirmativo virado do avesso. Não é esse o caso de António Sérgio, de inteligência tão trabalhada pelas correntes orgânicas do nosso tempo, e, ao nosso lado, um demolidor tão convencido do romantismo verbal, de que padece a mentalidade portuguesa. É lógica, portanto, a nossa aproximação, — e com honra o digo, porque, descontadas as nossas divergências, não de pessoas, mas de finalidade, António Sérgio e os seus companheiros marcam na podridão ambiente uma notável reserva de saúde e bravura moral.
O que lamento é que tais divergências não sejam tão superficiais como António Sérgio o supôs. Exactamente porque os integralistas se têm como «almas republicanas» é que a instituição monárquica não é para eles um detalhe decorativo, ou episódio de museu. Sustentando uma teoria imprevista sobretudo porque remexia de alto a baixo os conceitos estabelecidos, Fustel de Coulanges opinava que o verdadeiro regime democrático (para Fustel «democracia» correspondia ao «republicanismo» do senhor Bonald) era a Monarquia, enquanto que a República era o regime aristocrático (ou oligárquico) por excelência. Fundamentava o autor de La Cité Antique a sua teoria com os ensinamentos de antiguidade clássica, em que a tirania e o cesarismo foram governos conscientemente populares, não sucedendo o mesmo com as situações republicanas saídas de castas fechadas e absorventes, qual aconteceu na Idade Média e no advento do Absolutismo, com as monarquias europeias, centralizando, para arrancar as camadas humildes às consequências opressivas da dispersão da soberania pelos poderosos do sangue e da propriedade. O mesmo ocorre na nossa época, mudando um pouco os nomes às coisas.
Porque evita a quebra e dispersão da soberania, (pertença exclusiva do Estado, que as democracias contemporâneas, vítimas do atomismo da sua natureza defeituosa, distribuem atrabiliariamente pelas várias classes em que se pulverizam) é que na nossa desconjuntada Europa o recurso à ditadura se tornou o pão-nosso de cada dia. O que é o recurso à ditadura, como garantia das liberdades públicas, — e não da Liberdade metafísica dos códigos! —, senão o apelo para a força coordenadora da Monarquia? Nada faria de positivo Primo de Rivera, precipitando a Espanha na guerra civil, se não lhe acudisse como apoio legalizador o prestígio histórico da realeza. Republicano de origem e de doutrina, porque foi, senão por isso, que Mussolini confiou à Monarquia o destino e a viabilidade da sua acção governativa? De resto, já Mazzini, republicano como o actual dux do Fascismo, acabou por reconhecer nas instituições monárquicas o único agente eficaz da unidade italiana. Idêntica atitude assumiu no seu país o republicano Nansen, chamando ele próprio para o trono um príncipe estrangeiro, ao separar-se a Noruega da Suécia. E na Alemanha, — na Imperial República, — como interpretar a decisão do General Steecht, suprimindo a existência de todos os partidos, senão como um acto monárquico, em que a lei do interesse colectivo prevalece sobre a lei da opinião pública, base fundamental duma democracia?
E basta! Creio suficientemente assinalada a perfeita coerência com que nós, integralistas, «almas republicanas», defendemos a Monarquia como fecho e remate da nação organizada. No restante, pelo que toca às partes, e não ao todo, coincidimos sinceramente em muita solução com os «democratas» que figuram nesta trincheira ombro a ombro connosco. Anima-nos o mesmo fogo sagrado contra a barbária dos tempos presentes, — é nosso comum mandamento desafrontar o claro sorriso de Minerva das fumaradas insolentes de Vulcano. Chamaram por nós num brado de heróica mocidade. A esse brado respondemos, porque respondemos sempre a tudo que seja por Portugal e a que não falte o selo dignificador da inteligência. Demonstramos assim que não somos um partido. E se, como monárquicos, arde em nós o gosto sublime de servir, é servindo que as nossas «almas republicanas», segundo a lição de Bonald, oferecem ao país dividido um exemplo de necessária e fecunda conciliação. Que lhe aproveite, e se volva num título de maior e mais ampla justiça para com o Integralismo!
Defensores, contra a centralização abusiva do Estado moderno, — ou seja ele de estrutura electiva, ou simplesmente monárquico-liberal —, daquele perdido localismo municipal, corporativo e provincialista, em que nasciam e se robusteciam as virtudes cívicas dos antigos cidadãos, o adjectivo «republicano» pode caber-nos, na verdade, logo que o restituamos ao sentido apontado.
Exprime até magnificamente o nosso protesto político perante o que são hoje as «repúblicas», como sistemas de governo, — máquinas de burocracia congestiva, em que as oligarquias, tanto partidaristas como plutocráticas, asfixiam as livres iniciativas não só dos indivíduos, como da colectividade.
Numa sua passagem célebre, também Charles Maurras (de quem António Sérgio um pouco apaixonadamente nos tem como «escravos intelectuais») virá em auxílio da posição, aparentemente paradoxal, em que me coloquei, ao aceitar sem maior relutância, para os integralistas, o apelativo de «almas republicanas». Diz Maurras, com efeito, algures, que «le mot république a un sens raisonnable: même après le rétablissement de la Monarchie, il pourra être conserve dans ce sens primitif que désignait l’étendue des affaires communes… En revanche, démocracie doit être rayé, banni et oublié, comme pur synonyme de dégénérescence, expression de la désorganisation et de l’émiettement, épave linguistique de ce que le régime de la république eut jadis de plus funeste. C’est la démocracie qui est l’élément anarchique de la république; c’est la démocratie qui est l’élément pernicieux du socialisme».
Evidentemente que António Sérgio não concorda. Se concordasse, que alegria para nós e que reforço de alto talento para a causa nacional! Mas entendo, como António Sérgio entende, a necessidade que há, entre «homens livres», de delimitar responsabilidades e de fixar órbitas. Por mim, não pretendo outra coisa, para leal e justa compreensão daquilo que é lícito pedir-se-me e do ponto até onde é possível chegar-se, de modo que, atribuindo às palavras de António Sérgio a significação em que as recebo, sinto naturalmente que elas se me ajustam sem constrangimento.
Ponderará António Sérgio que no depoimento de Maurras passa uma ideia errada de democracia. Não o discutiremos agora! Mas, sem dúvida, António Sérgio concede que «democracia» para Charles Maurras e para todos os tradicionalistas vale como individualismo. Ora em combate franco ao individualismo na sua maior manifestação: — a Plutocracia, nos achamos aqui, neste reduto, dando as mãos fraternalmente, criaturas provindas dos mais diversos sectores do pensamento humano, desde o senhor Raul Proença (saúdo com respeito o meu adversário!), impugnador incansável das verdades semeadas pelo integralismo, até ao meu reaccionarismo, cada vez mais justificado, mais consciente e mais indefectível.
Eis um facto que incontestavelmente prova, não só que a António Sérgio não satisfaz a «democracia» como ela é (e António Sérgio não o oculta, quando distingue entre democratas século XIX e democratas século XX), mas que, para a rectificar e organizar, nos agrupa a nós, integralistas, nos poucos núcleos portugueses susceptíveis de trabalharem pela sua reforma e melhoramento. Não bulirei na respeitável utopia de António Sérgio. Na guerra ao que reputamos como inimigo comum, — a Plutocracia e o Partidarismo, — apenas nos cabe falar do que nos une e não do que nos separa. Decerto que um integralista se encontra mais perto dum «radical século XX», como António Sérgio, do que de qualquer avantajado corifeu da ignóbil mentira caída em 5 de Outubro de 1910.
Com toda a sua rica experiência psicológica, Léon Daudet (não se arrepie, António Sérgio!) não hesita em declarar num dos volumes das suas Memórias que a um monárquico-liberal, — matéria morta em total desagregação, — prefere o convívio e a prática dum extremista, porque, no seu negativismo, é sempre um afirmativo virado do avesso. Não é esse o caso de António Sérgio, de inteligência tão trabalhada pelas correntes orgânicas do nosso tempo, e, ao nosso lado, um demolidor tão convencido do romantismo verbal, de que padece a mentalidade portuguesa. É lógica, portanto, a nossa aproximação, — e com honra o digo, porque, descontadas as nossas divergências, não de pessoas, mas de finalidade, António Sérgio e os seus companheiros marcam na podridão ambiente uma notável reserva de saúde e bravura moral.
O que lamento é que tais divergências não sejam tão superficiais como António Sérgio o supôs. Exactamente porque os integralistas se têm como «almas republicanas» é que a instituição monárquica não é para eles um detalhe decorativo, ou episódio de museu. Sustentando uma teoria imprevista sobretudo porque remexia de alto a baixo os conceitos estabelecidos, Fustel de Coulanges opinava que o verdadeiro regime democrático (para Fustel «democracia» correspondia ao «republicanismo» do senhor Bonald) era a Monarquia, enquanto que a República era o regime aristocrático (ou oligárquico) por excelência. Fundamentava o autor de La Cité Antique a sua teoria com os ensinamentos de antiguidade clássica, em que a tirania e o cesarismo foram governos conscientemente populares, não sucedendo o mesmo com as situações republicanas saídas de castas fechadas e absorventes, qual aconteceu na Idade Média e no advento do Absolutismo, com as monarquias europeias, centralizando, para arrancar as camadas humildes às consequências opressivas da dispersão da soberania pelos poderosos do sangue e da propriedade. O mesmo ocorre na nossa época, mudando um pouco os nomes às coisas.
Porque evita a quebra e dispersão da soberania, (pertença exclusiva do Estado, que as democracias contemporâneas, vítimas do atomismo da sua natureza defeituosa, distribuem atrabiliariamente pelas várias classes em que se pulverizam) é que na nossa desconjuntada Europa o recurso à ditadura se tornou o pão-nosso de cada dia. O que é o recurso à ditadura, como garantia das liberdades públicas, — e não da Liberdade metafísica dos códigos! —, senão o apelo para a força coordenadora da Monarquia? Nada faria de positivo Primo de Rivera, precipitando a Espanha na guerra civil, se não lhe acudisse como apoio legalizador o prestígio histórico da realeza. Republicano de origem e de doutrina, porque foi, senão por isso, que Mussolini confiou à Monarquia o destino e a viabilidade da sua acção governativa? De resto, já Mazzini, republicano como o actual dux do Fascismo, acabou por reconhecer nas instituições monárquicas o único agente eficaz da unidade italiana. Idêntica atitude assumiu no seu país o republicano Nansen, chamando ele próprio para o trono um príncipe estrangeiro, ao separar-se a Noruega da Suécia. E na Alemanha, — na Imperial República, — como interpretar a decisão do General Steecht, suprimindo a existência de todos os partidos, senão como um acto monárquico, em que a lei do interesse colectivo prevalece sobre a lei da opinião pública, base fundamental duma democracia?
E basta! Creio suficientemente assinalada a perfeita coerência com que nós, integralistas, «almas republicanas», defendemos a Monarquia como fecho e remate da nação organizada. No restante, pelo que toca às partes, e não ao todo, coincidimos sinceramente em muita solução com os «democratas» que figuram nesta trincheira ombro a ombro connosco. Anima-nos o mesmo fogo sagrado contra a barbária dos tempos presentes, — é nosso comum mandamento desafrontar o claro sorriso de Minerva das fumaradas insolentes de Vulcano. Chamaram por nós num brado de heróica mocidade. A esse brado respondemos, porque respondemos sempre a tudo que seja por Portugal e a que não falte o selo dignificador da inteligência. Demonstramos assim que não somos um partido. E se, como monárquicos, arde em nós o gosto sublime de servir, é servindo que as nossas «almas republicanas», segundo a lição de Bonald, oferecem ao país dividido um exemplo de necessária e fecunda conciliação. Que lhe aproveite, e se volva num título de maior e mais ampla justiça para com o Integralismo!
- António Sardinha
posted by Nacionalista @ 1:25 da manhã,
1 Comments:
- At 3:13 da manhã, Mendo Ramires said...
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... E continuamos à espera do António Sardinha do Século XXI...