Virtudes da Cooperação

A COOPERAÇÃO CRIA O VERDADEIRO «JUSTO PREÇO»

É fácil verificar que toda a gente produz e consome, exceptuando, é claro, as crianças, os velhos e os doentes. E, assim, toda a pessoa se enquadra no binómio produção-consumo, quer a que trabalha a terra e produz o artefacto, quer a que no ofício ou na profissão liberal, medicina, advocacia ou magistério, exerce a sua actividade quotidiana. Produzem e consomem, por conseguinte, o trabalhador rural e o operário da fábrica, o alfaiate e o escriturário, o médico e o enfermeiro, o advogado e o procurador, o professor e o juiz. Tudo produz, mas o que é certo é que, por defeito de observação que vem de longe, só têm sido consideradas como produtoras as pessoas que produzem o pão e o vinho, promovem a criação do gado e a apanha do peixe, ou exploram a fábrica do pano e do calçado.

Este erro de observação, facilmente verificável por quem quiser olhar em torno de si, criou à produção uma situação de preponderância e de atenções que se não coaduna com o seu fim, o qual é precisamente o de servir o consumidor. Este, elucidado agora, quer também ser ouvido, e com razão; e o facto de ter sido sempre esquecido quando se trata de conceder ao produtor direitos que a ele se recusam, criou entre ambos um litígio que se agrava constantemente.

Para conciliar, na prática, a oposição de princípios que a interpretação do binómio tem tido, procurou-se, de há muito, uma plataforma que resolvesse o diferendo. Essa plataforma de resolução seria um justo preço a pagar pelo consumidor ao produtor na aquisição que a este fizesse dos géneros ou produtos.

Grandes espíritos empreenderam trabalhos nesse sentido, e vale a pena apresentar aqui o que pensaram dele alguns dos maiores.

S. Tomás d’Aquino, o Doutor angélico da Igreja, como se lhe chama, e que também meditou sobre o assunto, disse que o justo preço tinha por base as despesas feitas pelo vendedor ou a privação que ele sofre pelo facto de ceder a coisa a outrem, e não, de forma alguma, as necessidades do comprador. Acrescenta, contudo, que o vendedor não deve abusar das necessidades do comprador para aumentar os preços. Definição vaga e imprecisa, como se vê.

Aristóteles queria que vendedor e comprador, no acto da troca, fizessem para se decidir a seguinte pergunta a si próprios: Que preço desejaria eu que me fizesse o vendedor, se eu (vendedor) fosse o comprador? E vice-versa. Fórmula vaga, também, para resolver um problema de natureza prática.

Houve, depois, quem dissesse que justo preço era o preço corrente, o resultante da oferta e da procura, ao qual se opôs Platão, apresentando como justo o preço determinado pela razão. Escreveu ele em suas Leis: «Os fiscais das leis em assembleia com pessoas competentes examinarão qual é a receita e qual é a despesa que darão ao comerciante um lucro razoável, feito o que se fixará por escrito o que o comerciante poderá exigir do comprador…» Lucro razoável… E onde está a bitola rigorosa que determina este lucro?

Não: isto não está bem ainda. O justo preço deve ser o preço de revenda do produto ou do género em primeira-mão. Preço do custo de produção, adicionado de certa percentagem para despesas gerais com empregados, casa (quando seja caso disso), impostos, etc. A dificuldade está em determinar qual o montante dessa percentagem. Mas o critério não parece desarrazoado. Preço de custo, mais uma percentagem… Sim: mas este preço implica venda directa ao consumidor. E nos casos em que a venda é feita a um, dois ou mais intermediários antes que o produto chegue às suas mãos?

Vemos que o problema não está resolvido, a menos que aceitemos como boa a organização que permite a existência de elementos parasitários onerando o produto. Como há-de, então determinar-se o justo preço, que há-de ser aquele precisamente que esteja isento de qualquer adicional para o intermediário entre o produtor e o consumidor?

Esse preço só pode encontrar-se na cooperativa de consumo quando ela seja ao mesmo tempo cooperativa de produção. Não é utópica a doutrina. Uma cooperativa a distribuir e a produzir é hoje corrente no mundo. Fá-lo o movimento cooperativo de consumo inglês, por exemplo, que tem ao seu serviço duzentas fábricas de vária natureza. Fazem-no as cooperativas suecas, com as suas oitenta ou mais fábricas, as suíças, as francesas já em certa medida, e outras muitas o poderiam fazer se todas pusessem os olhos nestes exemplos edificantes.

Convém explicar como é que se obtém o justo preço por meios cooperativos.

Como se sabe, a cooperativa de consumo não persegue lucros. O seu fim é subtrair os sócios à exploração desenfreada do produtor e do intermediário (sobretudo à deste) fornecendo-lhes géneros e produtos nas melhores condições de preço e qualidade, e empregar o excedente dos rendimentos sobre as despesas gerais em obras de cultura, assistência, etc., ao sócio, de maneira a melhorar a sua situação económica e enriquecer o seu espírito. Como entrega o produto ao sócio pelo preço que o vende ao freguês o comerciante privado, a cooperativa tem no fim do ano certo aumento de capital, que ela em seguida devolve ao sócio, porque o não quer para si, pois não pretende fazer fortuna. Esta restituição, o retorno, como se diz em linguagem de cooperação, corresponde ao lucro do comércio, mas este, como se sabe, entra na gaveta do comerciante. Não volta à origem.

Portanto, quando o sócio recebeu da cooperativa um quilo de açúcar facturado em 6$80, por exemplo, não pagou por ele um justo preço: pagou mais. Mas como no fim do ano recebeu esse mais, retornado, esta operação de restituição do mais que pagou, corresponde a fazer a devida correcção no preço do açúcar. Recebido o retorno, o sócio pode dizer, então, que pagou pelo açúcar o seu justo preço.

Compreende-se que este preço será tanto mais justo quanto mais na origem a cooperativa for buscar os seus artigos para distribuir aos sócios. É por isso que a cooperativa de consumo que alargou as suas actividades ao campo da produção constitui a associação ideal para fornecer ao consumidor o verdadeiro, razoável e justo preço. Nenhuma outra organização o poderá conseguir com maior rigor.

- J. Dias Agudo, "Virtudes da Cooperação"

posted by Nacionalista @ 9:49 da tarde,

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